segunda-feira, 2 de maio de 2022

O Retrato de Deus

Num lugar parecido com o nosso, numa época que poderia ser a dos nossos dias, numa escola com muros, salas de aula, carteiras enfileiradas, bem parecida com a do século XIX, com a do século XX e com a do século XXI, havia uma menina de seis anos que não gostava muito de participar das aulas de desenho. Normalmente, ela não prestava atenção na professora e nem fazia o que era solicitado. Mas, naquele dia, a professora percebeu que ela estava diferente, atenta, participativa, prestando atenção na aula. Ela ficou fascinada, surpresa e resolveu se aproximar da estudante, e viu que ela desenhava algo. Então, puxando conversa, perguntou para a menina:

- O que você está desenhando? De forma simpática e interessada.

- Um retrato de Deus. Respondeu a menina, bem tranquilamente, sem tirar os olhos do papel.

- Mas ninguém sabe como Deus é, com quem se parece... provocou a professora.

- Então, saberão em um minuto. Respondeu a garota.

Ao terminar, a jovem mostrou seu desenho para a professora, que ficou encantada...

 

Valei-me, Senhora da Amizade!

Certa vez, num lugar bem distante, onde ainda não havia selvas de pedra como a que vivemos hoje, havia um rapaz que vivia sozinho e triste. Sua tristeza tinha um motivo: ele não tinha o que comer nem o que beber e morava sozinho. As últimas colheitas foram um desastre por causa da praga e da chuva. Além disso, não havia água em abundância por ali. Por isso, todo mundo já tinha saído daquela região. Assim, não tinha ninguém com quem conversar. Certo dia, ao acordar, ele decidiu ir embora daquele lugar. Seu sonho era encontrar um lugar bonito e cheio de fartura, que ele pudesse chamar de lar.

Saindo de lá, caminhou por horas por uma longa estrada de terra. Ao final do dia, encontrou um descampado e decidiu parar para descansar. Ele escolheu uma árvore, e, então, lentamente, abaixou e se deitou, tendo a grama como lençol. Estava sem forças; a caminhada foi dura. Seus músculos estavam tão doloridos, que, mesmo quando a fome apertou e a sede veio reclamar um pouco d’água, preferiu o sono como alimento. Quem dorme não sente fome, sua avó dizia.

Ao despertar da aurora, o rapaz levantou, ajuntou forças, e continuou sua jornada.

No meio de uma estrada, ele encontrou uma mulher brava, mal-humorada, que vinha resmungando pelo caminho. Ao se aproximar da senhora, o rapaz a cumprimentou e perguntou se estava tudo bem. A mulher respondeu sem paciência que não era de sua conta, que ele cuidasse da vida dele. Mas o rapaz não se abalou e falou que era uma pessoa simples, sem propriedades nem dinheiro, mas que estava disposto a ajudá-la no que fosse possível.

- Siga o seu caminho! A velha respondeu, completando: “E não se incomode com uma estranha, velha, pobre e ranzinza”.

Ao contrário do que propôs a mulher, o rapaz se aproximou ainda mais e disse:

- Minha senhora, deve ter alguma coisa que eu possa fazer, deixe eu ajudá-la!

Ao dizer essas palavras, a velha se transformou em uma linda jovem, e com uma voz suave e cheia de melodia falou, sorrindo:

- Meu caro rapaz, você recebeu um dom muito especial de Deus, o dom de amar ao próximo e ajudar a quem precisa. Por ser tão especial assim, quando estiver em apuros, basta que me chame, dizendo: Valei-me, Senhora da Amizade! E eu virei em seu auxílio imediatamente.

O rapaz agradeceu e seguiu seu caminho, refletindo sobre o valor da amizade e do amor ao próximo. Ele ficou feliz com a nova amizade, afinal, ter uma amiga com poderes mágicos é sempre bom. A gente nunca sabe quando o destino vai nos por à prova. Com esse sentimento de felicidade, e com esperança de que nunca precisasse recorrer à Senhora da Amizade, foi caminhando e logo chegou a um reino, que ficava ali próximo.

Nesse reino, havia uma princesa que há semanas estava muito triste. O rei, seu pai, já havia feito de tudo para vê-la sorrir de novo, chamou até os melhores médicos, ofereceu os melhores presentes, mas nada a tirava daquela situação. A princesa estava profundamente triste por ter perdido a bolinha de ouro com qual brincava sempre e que tinha sido presente de sua mãe, a rainha, antes de morrer. Nada mais tinha graça para ela, nada mais tinha valor.

Ao chegar nesse reino, o rapaz foi tomar um pouco de água numa bica e, conversando com alguns moradores dali, ficou sabendo que o rei havia prometido terras e um bom montante em dinheiro para quem achasse a bolinha de ouro de sua filha. Nesse instante, ele se lembrou do que a Senhora da Amizade havia prometido a ele e percebeu que juntos eles poderiam ajudar o rei a resgatar a alegria de sua filha. Lógico que, não sendo bobo nem nada, também ponderou que, caso conseguisse resolver o problema, nunca mais teria que andar pelo mundo sem destino, nunca mais passaria fome, nem sede. Mas o que mais o motivou foi pensar que estaria ajudando a princesa a acabar com aquela tristeza sem fim.

O rapaz procurou um lugar discreto e fez uma tentativa de conversar com a Senhora da Amizade, dizendo:

- Valei-me, Senhora da Amizade!

Para sua surpresa e alegria, a sua amiga apareceu imediatamente em sua frente e perguntou:

- O que foi meu jovem? Como posso lhe ajudar?

O rapaz explicou o que estava acontecendo com a filha do rei e disse que queria ajudá-la a encontrar a sua bolinha de ouro. Ele não precisou dizer mais nada, pois a fada já havia entendido o que ele precisava. Então, ela convocou os pássaros e os animais, pedindo que todos procurassem a bolinha de ouro da princesa. E não demorou para que um guaxinim cinza, com manchas pretas ao redor dos olhos e um rabo todo listrado, bem fofo e esperto, aparecesse correndo, respirando com sofreguidão. Ao chegar aos pés da fada, ele estendeu as duas mãozinhas com a bolinha de ouro que trazia, com cuidado. O rapaz, com grande entusiasmo, agradeceu ao lindo animal, que ficou todo feliz por ser o único a encontrar a bolinha. E corou de vaidoso quando a Senhora da Amizade lhe deu um beijo e agradeceu seu serviço. O moço agradeceu à amiga e disse que ela poderia contar com sua ajuda quando precisasse, e ela se foi.

Para não perder tempo, nem dar sorte ao azar, rapidamente, o rapaz se dirigiu ao castelo do rei e entregou a bolinha de ouro à princesa, que começou a sorrir imediatamente. Ela ficou tão feliz que pulou no colo do pai e o abraçou fortemente. Aliviado, o rei a beijou e pediu que fosse brincar. Então, chamou o rapaz e perguntou como tinha encontrado a bolinha que sua filha perdera, quando tanta gente já havia tentado e não havia tido êxito.

Quem tem um amigo, tem tudo! O rapaz respondeu. E o rei, que não entendeu muito bem, mas ficou satisfeito com o resultado, deu ao jovem o que tinha prometido: terras para morar e cultivar e muito dinheiro. Mas antes disso, como era hora do almoço, o rei fez questão de que ele participasse do banquete de comemoração. Você já deve estar pensando e é isso mesmo: o bom moço se empanturrou de tanto comer e se esbaldou com taças de vinho.

Como havia passado muito tempo de dor e tristeza pela perda da bolinha de ouro da princesa, o rei achou que era momento de comemorar e decretou que, por três dias e três noites, todos os cidadãos do reino iriam festejar a volta da felicidade da princesa, com muita comida, muito vinho e muita música para todos. Assim, além de rico, o rapaz se tornou muito famoso. E sempre que alguém perguntava como ele havia conseguido, ele dizia:

- Quem tem um amigo, tem tudo!


A Máquina de Escrever e o Computador

- O tempo passa, essa é uma certeza absoluta! Afirmou o jovem Computador cheio de si no escritório de direito.

Ele fez uma pausa, como quem aprecia o efeito da afirmação, e continuou, com a arrogância que é própria dos jovens:

- Assim como passa o tempo, a velhice chega para muitos. Falou isso como quem olha de rabo de olho para a senhora Máquina de Escrever, que descansava na prateleira de uma estante ao lado da mesa do café.

- Ser velha não significa ser inútil, caro rapaz! Replicou a Máquina, incomodada com a petulância do Computador.

- Pode ser que, às vezes, não, minha senhora! Mas com certeza, a idade avançada dificulta e muito a senhora realizar atividades do nosso escritório como eu faço todos os dias sem sequer suar.

- Pois saiba que eu ainda escrevo textos maravilhosos e sem dar trabalho, se meus patrões precisarem de mim.

- Ah, sim, claro! Com certeza! Respondeu o Computador, irônico. Você falou bem: “se” e somente “se” eles precisarem de você. Mas não precisam, porque eu faço muito mais do que somente escrever um texto... posso trabalhar com fotos, vídeos, entrar na internet, fazer videoconferência, posso...

Nesse instante, faltou energia no escritório e o computador desligou imediatamente, deixando sua fala incompleta, para alegria da Senhora Máquina de Escrever, que não aguentava mais a arrogância daquele Computador exibido.

Como ainda era dia e o sol iluminava bem a sala através das altas janelas com vidros transparentes, o jovem escrevente foi até a estante ao lado da mesa de café e abraçou a máquina de escrever com cuidado para não derrubá-la. Depois de colocá-la na escrivaninha, no lugar onde antes estava o Computador, e colocar a folha no carrinho, o rapaz se pôs a escrever com desenvoltura e ritmo cadenciado.

Moral da história: Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.