sexta-feira, 11 de março de 2011

Quem Ensina e Quem Aprende

- Vamos lá! Que letras são essas aqui? A... E...
Ele a olha, buscando uma ajuda em seus lábios, enquanto espera com os seus também entreabertos, como quem está pronto para pronunciar. E para.
A professora já havia feito este trajeto várias vezes com o grupo, não era possível que ele não soubesse a resposta. Com certeza não havia prestado atenção enquanto ela explicara o som daquelas letras. Não. Não era possível! Todos os outros já tinham aprendido. Só ele não conseguia reproduzir o som das vogais, mesmo olhando para as letras. Quantos exercícios já haviam feito, meu deus! Ainda paciente, resolveu tentar mais uma vez. Provavelmente, ele teria sucesso, caso ela falasse junto com ele. Tentou mais duas vezes.
- Olha, vamos falar junto, está bem?
- Tá beim!
- ES-tá BEM, repete.
- ES –tá beim.
- A
- A
- E
- E
- I
- I
E, assim, ela o ajudou a rever cada um dos sons, apontando o sinal gráfico equivalente no papel. Fez isso duas vezes. Agora, certamente, ele conseguiria fazê-lo sozinho.
- Agora é sua vez, você vai conseguir sozinho. Está pronto?
- Ponto.
- Não é “ponto”, é PRON-TO, repete!
- Ponto.
Com quase cinco anos, qualquer criança saberia aquela sequência. Havia mesmo algumas crianças que já começavam a formar algumas sílabas. No ano anterior, tiveram contato com as vogais e fizeram várias atividades, escrevendo cada uma. O pequeno aluno tinha especial facilidade com a letra E, que iniciava o seu nome,  esta foi a que mais ficou marcada em sua memória. Ainda que não soubesse escrever o nome, sabia que começava com E. Neste novo ano já haviam feito as lições do livro, com o A, o E e o I. Todos deveriam saber cada uma delas com facilidade. Mas em seu caso, ela tinha a impressão de que nada havia sido feito. Ele não conseguia identificar as vogais já trabalhadas durante todo aquele tempo.
Apontando novamente cada um dos sinais, ela o guiava esperando o sucesso tão esperado. Depois do A, veio o E, e depois do E... o silêncio. Ele novamente a olhou, esperando os lábios dela denunciarem a letra seguinte. Mas a denúncia não veio. Impotente, seu semblante franziu. Ele mesmo sentia que não estava conseguindo dar aquilo que a professora tanto queria. Ele a decepcionava. E não queria isso.
- Vamos Elder, você consegue! Ela insistiu... Este é o A, este é o E, e este é o...?
- O... Ele repetiu com se fosse conseguir no embalo do estímulo recebido. Mas não conseguiu atinar aquele pauzinho com nenhum som do qual ele se lembrasse.
Só podia ser falta de interesse. Quantas vezes ele desviava sua atenção durante as atividades. Vivia buscando refúgio no colega ao lado: uma brincadeira aqui, um detalhe da sala ali, uma caneta no chão, o colega. Enfim, fugia no momento em que era encurralado e tinha que dar conta das vogais. Ele já sabia o som, era só questão de associar com o desenho. O A era de amor, o E de Elder (mas também de estrela), o I de igreja (que ele ia todo domingo de manhã coma mãe), o O de ovo (que ele adorava comer no pão), e o U de uva (mas em casa ele só via banana).
Era um bom garoto... simpático, risonho, carinhoso. Tinha um bom relacionamento com todos os coleguinhas, dividindo e partilhando os brinquedos, dançando e brincando nos momentos de descontração, ou no parque. Adorava atividades com pintura ou desenho para colorir. O problema era com a alfabetização. Aí ele empacava. Não tinha facilidade com as letras.
Enquanto a professora esperava a resposta, outros trinta alunos conversavam, riam, ou já brincavam pela sala. É um inferno, ela pensava. Não podia virar as costas para dar atenção para um, que os outros já começavam a aprontar. Sempre quis ser professora, mas não sabia o que a esperava. Ao contrário de algumas amigas que só fizeram pedagogia porque era o curso que podiam pagar, ela sabia desde pequena que seria professora. Desde jovem sonhava com seu grupo (pequeno) de pequenos aprendizes. Cada um em seu uniforme... Limpinhos, material arrumadinho em cima da carteira, com uma toalha de plástico forrando a mesa (como era no seu tempo de aluna). Todos fazendo a atividade proposta, formando sílabas, palavras, e logo lendo frases inteiras. Era isso que imaginava. Era essa sensação de realização pelo trabalho feito que ela tanto esperava. E isso só acontecia às vezes. Em outras, o sentimento de impotência a deixava desnorteada. No mundo real, nem todos tinha sequer roupa, quem dirá uniforme, nem material escolar como pedido na lista, adequado e organizado, nem todos limpinhos ou que podem comer antes de ir para a escola. Por esses e outros motivos, às vezes de ordem biológica, psicológica, algum tipo de deficiência, mas a maioria de ordem familiar, ou falta dela, não aprendem da mesma maneira. O que fazer? Era isso que movia agora seus pensamentos quando, ao final da aula, olhava aquelas crianças correrem para suas casas. Sem consciência da tragédia em que estavam metidos.
No começo, toda paciência do mundo. Já agora, era preciso outra estratégia. Iria pegar pesado com eles, exigir atenção e mais acerto quando solicitado. “Alguns alunos são assim: só funcionam na base da pressão”, uma colega lhe disse. Além disso, era frustrante não ver nenhum resultado depois de tantas atividades feitas. Estava, então, decidida, o caminho seria o da imposição. Com certeza isso daria algum resultado. Além do mais, no caso do Elder, aquela situação a estava tirando do sério. Não havia dúvidas de que, caso ele tivesse um pouco, um pouquinho só de boa vontade, caso ele se esforçasse um pouquinho que fosse, ele conseguiria fazer o que ela estava pedindo. Não era muito. Uma atividade tão simples, tão fácil... Era só uma questão de mais interesse mesmo. Então, alterando o tom de sua voz, já denotando impaciência e determinação em conseguir um resultado satisfatório a qualquer custo, retomou a lição.
- Elder, eu já falei o som destas letras duas vezes junto com você. Não é possível que você não consiga falar cada uma delas sozinho. Você está prestando atenção na lição?
- Tou tofessora!
- PROfessora – ela insistiu. Então, vamos lá novamente. Agora eu quero que você repita certinho cada um, está bem?
- Tá beim!
- ES-tá BEM! Lembra, repete!
- ES-tá Beim.
- Vamos lá, presta atenção, hein!
Novamente o percurso com o dedo recomeça. Depois do A, ele olha e recolhe a expressão de aprovação da professora. Ela fica feliz quando ele acerta, ele também. Vem o E, e novamente ele é aprovado em sua tarefa. Isso é bom. Quando acerta, experimenta uma sensação gostosa de “saber”. Não gosta de errar na frente dos coleguinhas, que depois azucrinam com gozações. Então aquilo é uma sensação boa. Não vão rir dele depois. E senti que está agradando a professora. Mas começa a ficar preocupado, está chegando aquele pauzinho. Porque não bate o sinal, assim ele não correria o risco de estragar tudo. Sim, era isso, no final das contas, a professora estava sendo tão paciente e ele estava fazendo tudo errado. Bate sinal, bate sinal, bate sinal, ordenava em seu pensamento. Mas o tempo não foi seu amigo, e o sinal muito menos. Não pode evitar, portanto, de ver que o dedo da professora já apontava o pauzinho e seu olhar exigia que ele falasse.
Travou.
Outros alunos olhavam e pareciam querer uma atitude da professora. Ela via isso em seus olhos. Isso já era demais. Aquilo ela não admitiria. E sua autoridade na sala de aula. Ele havia de falar de qualquer forma. Pensou no que se passava na cabeça daqueles alunos enquanto observavam. Certamente ele está brincando com ela? O que ela vai fazer? Ele está fazendo ela de boba? Não falou porque não quis? Ela vai fazer ele falar?
- Fala, Elder! Exigiu em voz alta. Fala de uma vez! Insistiu subindo ainda mais o tom de voz: - Não é possível que você não lembre!  Fala, fala... é I, I, I, I. Lembra? A... E... I... As letras iam saindo quase aos berros, querendo alcançar todos os Elders daquela sala, quem sabe daquela escola. Pegou no dedo do menino e colocou no papel, uma vez mais: - Olha este é o A, este é o E, e este (dando ainda mais ênfase) É O I, I, ouviu?
Neste momento percebeu que o menino chorava. Ele começou a chorar no momento em que ela rompera em gritos. Não conseguiu controlar o peso do fracasso e a humilhação na frente dos colegas, além do susto da mudança repentina da professora, ela agora lembrava-lhe sua mãe gritando que ele era burro, não sabia fazer as coisas direito... Só que ele não havia feito nada, só não conseguia falar... Não entendia porque estava sendo tão rude com ele. Com certeza não gostava mais dele.
Sentindo que havia perdido o autocontrole e percebendo que magoara o pobre garoto, abaixou-se e aproximou-se dele, pedindo que não chorasse.
- Me desculpe, Elder... Eu exagerei... Você não tem culpa.
Esperava que o menino se agarrasse ao seu erro, dissesse que ela havia gritado, que falaria com sua mãe, etc. Por isso se surpreendeu quando ele buscou o seu ombro e, entre soluços, balbuciou:
- Me ajuda, professora... eu preciso de ajuda.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O Texto Científico como Processo de Formação Contínua


O texto científico é visto, muitas vezes, como um bicho de sete cabeças, já que as burocracias institucionais ganham peso na hora de escrever. É sim preciso atenção a certas convenções, e com as normas ABNT. Mas escrever um artigo deve ser um gesto de desejo de dividir uma experiência. Seja ela fruto de uma pesquisa ou de uma prática específica, como a educacional, a artística, científica, etc., valorizando experimentações que deram certo, ponderando sobre problemas encontrados, ou, mesmo, caminhos de investigação que começam a ser trilhados (imprimindo o valor do estudo em nosso contexto, metodologia, ações já encaminhadas,  e resultados parciais), etc. Portanto, é importante que o texto aponte uma questão que seja oriunda da prática, fruto de inquietações na relação com o objeto, ou da contribuição dos participantes da pesquisa. Desta forma ele servirá como meio de registro e reflexão sobre o próprio fazer.
Em educação, pensando na escola pública, um objeto de pesquisa pode ser a proposição de uma prática diferenciada em sala de aula, e o texto traria a idéia, elementos do planejamento, a observação e análise dessa experimentação; pode, também, ser um relato de experiência da vivência e aplicação de um determinado material didático (Caderno do Professor/ Caderno do Aluno, por exemplo) tanto partindo do ponto de vista do professor quanto do aluno; uma proposta de formação desenvolvida em HTPC; entre outras possibilidades. No caso do artigo científico, não é preciso que seu texto seja baseado em pesquisa aprofundada. Isso é preocupação própria para uma dissertação ou tese. Mas que traga elementos que apresentem de forma clara sua experiência, como: introdução ao tema abordado e ao problema investigado, como surgiu a idéia, onde ocorreu, a prática, quando, com quem, qual metodologia, e aspectos próprios de cada vivência na relação com a teoria de apoio, e as considerações finais. Essa forma de registro e organização das idéias irão refletir de volta para o fazer do professor, que passará olhar mais atentamente para os processos vividos em sala de aula. É por isso que todo educador deve vivenciar um processo de escrita de um texto científico.
Escrever um texto científico é uma forma de aprendizado. É na busca de parceria com especialistas no assunto abordado que há expansão do conhecimento e modificação da prática. Entretanto, não é a citação de pensamento de autores que deve guiar a elaboração do pensamento, muito menos deixar que essas citações sejam a maior parte do texto. Não se deve achar que as citações são mais importantes do que a sua experiência. Ela sim é que deve, de vez em quando, abrir espaço para um ou outro autor colaborar com o seu pensamento, em geral, reforçando aquilo que você descobriu fazendo ou estudando. Muitas vezes descobriu junto com o estudar, no diálogo com os autores apontados, e isso é mais interessante. Entender que não construímos conhecimento sozinhos.
Aqueles que nunca experimentaram escrever e apresentar um artigo científico devem passar, em algum momento, por essa experiência. Além dos exercícios da produção intelectual (através da qual também aprendemos a fazer – ou seja aprendemos a escrever um texto científico escrevendo) e de participação no evento (espaço para discussão e conhecer pessoas), há também o prazer de ver um trabalho seu publicado nos anais de um congresso, que é muito bom, e valoriza seu currículo. Geralmente fazemos isso ao desenvolver uma pesquisa no mestrado, mas hoje em dia é comum vermos alunos de graduação apresentando seus trabalhos.
Caso não saiba por onde caminhar, qualquer pessoa pode, por exemplo, escrever sobre uma planejar e propor uma experiência educativa com seus alunos; fazer uma leitura de um processo de formação, ou projeto educativo, do qual vem fazendo parte (como: Recuperação Escolar; Lugares de Aprender; Redefor, Escola da Família, etc.). Ou seja, o texto pode ser um "relato de experiência" com apontamentos sobre a trajetória, orientações didáticas, aspectos positivos, negativos, e possibilidades de continuidade. Meu 1º artigo trazia minha percepção sobre a importância, para nós alunos do curso de mestrado do Mackenzie, do Ambiente Virtual de Aprendizagem Moodle na disciplina de Novas Tecnologias em Educação, e suas repercussões na minha prática. Com esse exemplo, quero mostrar que há vários caminhos para a escrita de um texto. Depois de decidido qual será trilhado, é preciso selecionar quais serão os autores com os quais você vai dialogar em seu texto. 
Ao visitar sítios de congressos na internet, encontramos os temas que nortearão as mesas de debate. Um desses temas pode, também, lançar luz sobre sua produção, uma vez que você veja contemplado naquele tema um caminho que vem explorando em sua prática.Os sítios dos congressos também trazem  orientações para a escrita do texto, com orientações sobre tamanho do texto (número de páginas), fonte, parágrafo, uso de imagens, tabelas, gráficos, etc. Muitos congressos pedem que você envie primeiro um resumo, se aceito, você envia o texto depois, ou a publicação pode ser apenas do resumo. Particularmente, não vejo muito sentido em publicar apenas um resumo, já que com, em média no máximo, 250 palavras, não se pode dizer muita coisa. Para quem precisa publicar, em virtude de exigência de algum programa de pesquisa, tudo bem, mas o trabalho fica prejudicado e os possíveis leitores ficam privados do texto sobre o qual tiveram interesse.
Quem disse que o conhecimento da escrita é privilégio de quem fez Letras? Em primeiro lugar, vale ressaltar que a competência não vem junto com o diploma. Ela é fruto da prática, da leitura, e do exercício de revisão. Revisão esta não só da parte material da escrita, mas também do seu conteúdo intelectual, ou seja, escrever é um exercício que aprimora a organização do pensamento. E isso é uma demanda de qualquer área do conhecimento. O processo de escrita, assim, acontece como uma forma de planejar, observar, avaliar, retomar, e melhorar a prática. Portanto, é preciso arregaçar as mangas e escrever.
Em muitos casos não há o hábito de escrever e isso gera um bloqueio. É preciso se libertar das travas impostas pela educação autoritária que tivemos, que enchia nossos textos de anotações em vermelho, apontando todo tipo de erro ortográfico ou gramatical, sem discutir as idéias apresentadas. Se você não está acostumado a escrever, não tenha medo, pense que o importante é a experiência que você quer partilhar. Mais do que ortografia (que o Word corrige) e gramática (que os amigos podem revisar até que você pegue o jeito), escrever irá te dar o norte de como organizar seus pensamentos. Por isso é condição sine qua non que você leia artigos científicos antes de começar a escrever o seu. Fazendo isso, você entenderá melhor como desenvolver certas partes do texto, como: “resumo” (para artigo), “Introdução”, “metodologia”; “desenvolvimento”; “considerações finais”; “referências bibliográficas”; bem como, formas de organizar o texto. Coloco abaixo os links de dois dos meus artigos, com características bem diferentes, com publicação digital. No primeiro (meu primeiro) é possível observar que não se trata de uma pesquisa, e sim, como disse antes, da observação de um percurso de formação, e no segundo (um dos mais recentes) um recorte de parte dos frutos da pesquisa de mestrado.
Escrever é uma forma de se posicionar no mundo, de revelar-se ao desconhecido. É sempre um ato de generosidade. E no caso do texto científico, é a generosidade de dividir anseios, inquietações, experimentações, possibilidades de respostas, exposição de processos, modos de ver e perceber, formas inventivas de busca de solução de problemas. Por tudo isso, a escrita de um texto científico deve ser entendida como forma de desenvolvimento intelectual e profissional, um processo contínuo de formação, tão essencial ao fazer do educador.
Moodle como Laboratório de Prática em Disciplina do Mestrado: Uma Experiência na Construção do Saber por Alunos-Professores"
Improvisação – das origens à linguagem teatral: princípios de práticas contemporâneas