domingo, 18 de dezembro de 2011

Tem jeito não!

Tinha que sair dali... uma urgência, mesmo questão de morte. De arriscar é que se prova; esfregou os olhos e apertou, quase enxergando adiante; fazia? não fazia? Fez! Num salto, do vagão ao chão, rolando pela margem de terra forrada de pedras. Doeu? Quase morte. Praguejou, sacudiu, esticou, deixou-se largar deitado. O que fazia Aninha hora dessas? Talvez pensasse nele.
- Nossa cor se combina!
- Você é linda como a lua, sabia?
- Não mente não...
- É a mais pura verdade!
- sabia que adoro chocolate...
Ele riu.
Ela mal sabia do amanhã. Certas coisas são pra se calar.
O vazio lhe deu a mão e caminharam pelos trilhos, olhava cabisbaixo, chutava pedras, contava os dormentes - Sabe aquelas toras de madeira que recebem os trilhos? - Aos poucos voltou a si, peito aberto para o vento preguiçoso daquele final de tarde. Aquilo era bom! Dono de si afinal! Fazia muito não sentia aquela sensação; os pés puseram-se a correr; pulavam os dormentes aos tantos; quase voava; desatou largo na risada.
Do muro, com certeza o horizonte. Subiu e espiou. Carecia de um norte, do de comer, de lugar pra se achegar. Não atinou com o anoitecer. Pensar não tem mestre mesmo, é feito redemoinho que vai e volta, volteia e retoma, segue ziguezagueando por aqui e ali. O muro na sombra se esticando até os trilhos. Talvez chovesse? No barraco, deram falta, certo era a esse tempo; deram deveras? procurariam? dariam graças? uma boca a menos... mas um braço de menos... fazia falta... Ah fazia, e não? O vestido roto de algodão roçava sua pele quando Aninha tentou alcançar seus lábios. Coisa boa! Ôh meu pai se é! Arrepiou, suou de calor e frio; parou, com os lábios ali colados, uma doidera aquilo. Leu não-sei-onde que toda saudade é uma espécie de velhice. Até saudade boa? Até saudade boa! Todas elas, oras! Pois então que se envelheça! Vá lá!
Uma avenida mirrada sumia para além de até-onde-se-pode-ver-com-os-olhos. Não quis pular ainda; demorou-se no espiar o longe. Descendo, recostou na parede de cimento rústica do muro, se largando de cócoras; pegou dum parafuso enferrujado que repousava no meio do matinho ali ao pé; bons minutos... titubeou na ideias certas; pensou na casa, no padrasto de olhos vermelhos, de garrafa em mãos, um filho da puta mesmo... É certa decisão? Exagero? Não vale? Aguentar surras, xingamentos, e..., e..., e...? Não! Não! Não! A mãe... uma lastima, mazela, nem se mexia horas dessas; sempre assim; jogada na cama de solteiro ao pé da televisão, logo ali de costas pra cômoda de imbuía, o espaço pouco, nem de virar de lado se passava direitinho; a outra cama, dos meninos,  dava as costas pro armário da cozinha; era ali mesmo que o coro comia; quantas vezes amaldiçoou aquele infeliz; queria dinheiro o desgraçado; humilhação doída quando os amigos o viam ali na esquina da treze, perto do bar do manéu, morria de raiva daquela vida; a vontade era de matar o sem-jeito... Dava mais não! Tinha jeito não! Fosse homem feito e o puto sangrava na faca. Não pôde esperar; corpo reclama; corpo chora; corpo geme; corpo parte.
Agora é fazer dar jeito! Pulou o muro e seguiu avenida afora.