terça-feira, 15 de outubro de 2013

Crise do café e crise de poder em A Moratória com o Grupo TAPA

Grandes acontecimentos da nossa história não devem ficar no esquecimento. Olhar para o passado pode nos ajudar a não cometer os mesmos erros e evitar tropeços comuns. Mas também pode ser um exercício de análise do embate do homem pela vida, pelo poder, numa sociedade capitalista, sendo vítima dos altos e baixos da economia; ou simplesmente às voltas com as consequências das escolhas que fez. É uma dessas histórias que Jorge Andrade conta em seu texto "A Moratória" e que o Grupo Tapa traz novamente ao palco dentro do projeto Uma Ponte na História, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, passados cinco anos de sua estreia, em 2008.

É possível dizer que o espetáculo é fiel ao texto de Jorge Andrade, com figurinos de época e cenário que retratam bem o período histórico, bem como a condição social dos personagens. O cenário é criado a partir de objetos de cena: uma máquina de costura antiga (Singer), uma cadeira de balanço, um baú de madeira, um relógio cuco e dois quadros (Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora) e mais três ou quatro cadeiras de madeira. Figurino e cenário ajudam a criar o retrato dessa família protagonista da história, que já fora importante e renomada no plantio do café e perdeu tudo que tinha. O retrato da decadência econômica e social em meio a crise do café no início da década de trinta.

Em termos de espaço e modelo de representação, o Teatro de Arena parece pedir outra dinâmica de atuação, que não a do palco italiano, que parece ser mais apropriado a esse tipo de teatro: o teatro dramático, com personagens e uma representação que não triangula com o público. Ou seja, no Teatro de Arena, essa sensação da vitrine é amplificada, porque o público está muito mais perto do espaço de representação, muito mais perto dos atores, separados apenas pela famosa 4ª parede do teatro tradicional no palco italiano, que na arena se multiplica. O público pode assistir a tudo que se passa lá dentro da casa da família do ex-fazendeiro Joaquim. O que nos lembra uma espécie de Big Brother, ou seja: o público participa de tudo que acontece dentro da casa, e ao mesmo tempo não é visto (pelos personagens) nem se relaciona (com os atores). Levando tudo isso em conta, o espetáculo é muito bem realizado. Há uma ótima exploração do espaço cênico pelos atores, e ocupação por parte dos objetos. As cenas são fluidas, com um ritmo muito bom, com bons momentos de silêncio também.

Quem assistiu Vestido de Noiva da montagem do Grupo Tapa (1994), ou quem conhece a obra de Nelson Rodrigues, não deixou de associar  a esta montagem a constante mudança de planos, neste caso os planos do presente (A família em situação de pobreza, sendo sustentada pela filha do coronel, Helena, que trabalha de costureira. O pai tentando se agarrar à esperança de recuperar a fazenda e o nome, há muito perdidos; e ainda às voltas com o filho que não consegue se firmar em nenhum emprego e gasta o dinheiro com bebida e jogatina) e o plano do passado (Quando ainda viviam na fazenda, quando chegou a crise e começaram a enfrentar o desespero da perda e da partida). As quebras na narrativa para cenas de flashbacks, que são propostas no próprio texto do Jorge Andrade, são muito bem realizadas nesta montagem com o recurso da simultaneidade das cenas, que  empresta maior dinâmica às cena.   

Os atores são bons e atuam com entrega. Lucília nos presenteia com uma ótima matriarca que faz de tudo pelo filho imaturo, passando a mão na cabeça e alimentando suas necessidades. Mas o destaque fica para Zécarlos Machado, na interpretação do patriarca Joaquim, o fazendeiro paulista que perdeu a fazenda, atolado em dívidas. O ator sabe aproveitar muito bem os momentos de altos e baixos do protagonista da história, esse personagem complexo que transita entre o orgulho do coronel nos tempos de "senhor" e a condescendência velho, dependente da filha para o custeio da dívidas domésticas. oferece a a possibilidade de explorar altos e baixos de sua existência, além do trabalho corporal excelente na transição entre presente e passado.

A cena final do espetáculo é pura poesia e por si só já valeria a pena ver o trabalho do grupo. Mas para nosso deleite, o espetáculo não se resume a isso. O espetáculo é fruto de uma direção antena aos detalhes de atuação e de uma preparação corporal e vocal  evidente na representação. Sem dúvida um trabalho a ser apreciado.

Eduardo Tolentino de Araújo assina a direção do espetáculo e de tantos outros ao longo da trajetória do Grupo Tapa, que faz parte de boa parte da história do teatro brasileiro, desde sua fundação em 1979. No histórico do Teatro Amador Produções Artísticas somam-se montagens de inúmeros textos renomados e montagens históricas. Quem se interessar pode encontrar informações no site do próprio grupo www.grupotapa.com.br.

Informações sobre a programação: http://www.grupotapa.com.br/#!em-cartaz/cb3i