domingo, 8 de abril de 2012

CAPOEIRA

Gritaria e correria; um pote que despenca; é meia noite; de repente pancadaria na porta, que abrissem de pronto. Assim é polícia no morro. Mãe, assustada, obedece; antes surda ou barraco abaixo. Arrancado do sono, olhos esbugalhados, moleque se borra: Onde tá o Marcola!! Disseram que tava aqui! Vão me dizer agora, ou a senhora vai pra delegacia!. A sessão de tortura só começava. Durou algum tempo. Apelaram para o pequeno; tremia. Mal sabia o quanto tais gritos ecoariam em sua alma: Estão encobrindo esse bandido???!!! Se não disser agora onde ele tá, vamos prender sua mãe, tá ouvindo???!!!” Agarrou o braço da mãe pra sair pela porta... Não estava acostumada àquela violência e teve que ir direto pro hospital: AVC.
Horror, desespero, raiva e medo embotados nos pequenos olhos... Olhos que agora, vinte anos depois, espreitava o último homem daquela noite; cujo fim traria descanso afinal, desde o fatídico dia de sua infância. Desistiu dos homens e da justiça. Desprezo. MERDA!
Vida? Que vida! O pai bêbado, filho da puta, nem menor carinho. Detestava escola; caderno, nada! capoeira, aí sim! A melhor escola é a vida! Oito anos e a rua: graxa pra sapatos,  sorvetes, até dropes paquera nos trens... Expulso da estação, doces jogados pelos trilhos, e uns tapaços na orelha. Dinheiro? desgraça. A mãe? Só maldizia a vida, ele ali, fazia que dorme: infeliz. Logo cansou. Decisão: fazer dinheiro!
Espreitava: solidão e breu sem lua; sempre trazia algum da noite. Alegria: compensou a mãe pela cruz - pulseira, colar, relógio, celular... Orgulho: filho bom, de futuro. Só deus! As vizinhas, de inveja, lambiam a velha na dor de cotovelo. Da noite pras gandaias e rodas de capoeira. Final de semana. O projeto outro, primeiro, foi ganhando contorno. Matou aos quinze: desespero. O sangue não lhe avexou: remorso? Hã! Orgulho: rito de passagem; agora era bandido mesmo.
Tempo vai; corpo e força na capoeira; experiência e habilidade no crime. Pronto. Cada oficial uma fatia de vingança; medo, dor, desespero, raiva e... Faltava apenas... o pior deles, que arrastou a mãe, violentou com gritos e tirania; gavetas e roupas pelo chão do barraco, drogas? Não. Putaria mesmo. Pra sacanear pobre mesmo. O maior dos merdas; vai experimentar medo, insegurança e pavor no olhar de comparsas morrendo...
Era noite, safado, o milica deixava o clube de boliche: olhos que espreitavam. Quartas - chegar oito, sair dez. Sempre. Uma bola de boliche na case preta. Seguia pelas ruas do bairro da Penha, adiante a praça da igreja Nossa Senhora da Penha, ali o antigo cinema São Geraldo e a baixada do metrô. Longe, mas tava em forma. Quinze minutos, nem isso; chave na porta da frente. Tudo isso, Capoeira já sabia. Observou e planejou. Tudo. Ansiedade pelo fim da história. Respirou e seguiu. O desgraçado parece gente de bem. Mãos no bolso, capuz na cabeça, andar ligeiro: cena e gritaria da noite de infância: vingança. Era bom nisso. E esse valentão de merda? Reagiria? Um pobre diabo covarde, um bosta; Quantos lares arrombados? Quantos miseráveis humilhados? Correu; deu a volta na igreja; o menino caçava o homem afinal; golpes de capoeira, miserável no chão; cano do berro na boca, joelhos prostrados: desespero e medo. Perdão? Só se morto. Tiros? Nada. Bola de boliche.

sábado, 7 de abril de 2012

O VARAL

- Já vou, mulher! Não tá vendo que tô ocupado! Vive reclamando de tudo, sô! Cada coisa no seu tempo... resmunguei já saindo para consertar o maldito varal. De fato, já se ia, por baixo, por baixo, umas duas semanas que ela vinha nessa ladainha do varal. Insistia que ele tinha que trocar, que tava ruim, que não aguentava mais, e essas coisas que toda mulher se põe a falar na cabeça, até vencer o peão pelo cansaço.
Cada hora é uma coisa diferente. Se você conserta o varal, hoje, amanhã já tem o portão que fica emperrando. Se tira o vazamento do banheiro, a torneira da pia não fecha direito. Pense numa filha-duma-égua de uma goteira no seu quarto e imagine a doidera da falação na sua cabeça até a que a penga da goteira num si vá?! Pinga penga gota, fala penga na cabeça. É só Jesus na vida da gente. Se é, oi sô! Certeza!
Tava tudo certo, já tinha varal novo na mão. No sábado passei lá no depósito do Seu Mané, e  já peguei o material. Depois passei no Chicão e pus logo duas branquinha pra dentro, afinal... também sô filho de deus, não é? Pra quê, rapaz! Aquilo foi a gota d’água pra patroa; mordida que só, despejou na minha cabeça até umas horas... “Cê num tem jeito, não! Seu bicho safado! Sê ia vê se ficasse jogando até tarde. Aí sim o coro ia comê!” Cão late, mas não morde, sabe disso? Sábio dito popular. A mulher é um amor, quase um anjo. Quando votei estava ao lado do piano de caldas, parecia concentrada, alisava e olhava seu reflexo na pele lisa do instrumento. Fica nervosinha à toa, sabe? Mas tem um coração grande.
Voltando ao assunto do varal...No final das conta, nem era tanto trabalho assim. O basicão! Um velho pelo novo. É como aquela história: o dito pelo não dito, sabe? Quase igual. Um lado solto, o outro da mesma maneira, o fim obedece o meio, não é isso que o filosofo diz, então? Depois o bom já se ajeita e tá pronto!
Ai vem a recompensa. Mulher é um bicho incrível mesmo. Ou é oito ou oitenta, vai da água para o vinho num piscar de olhos. Logo de saída, um beijão no cangote da nega. Arrepiada, se esquivou com um “me deixa, cachorro”; toda risonha a bicha. Não trouxe nem uma cervejinha, mô? TLACK! Abriu de pronto a latinha. Se aprumou do meu lado, toda dengosa quando peguei os quatro limão na geladeira, Vai fazê uma caipora pra nosotros amigo; não dei mole, tasquei um beijo naquela boca deliciosa, Só se fô agora, pretinha espanhola!; Hummm, que delícia...! Parece que adivinhô, meu gostoso... Êta mulhé danada, sô! É assim que seu homi gosta de vê: você facinho, facinho, bandida. Vem meu moleque, vem cá, vem? Só pra pirraçar, ainda me faço de difícil...
Nega, larga do meu pé
faz o que você quisé
pra você não falta homem
pra mim não falta mulher
E ela gosta... Ô se gosta, sô!