segunda-feira, 14 de novembro de 2011

CÓLERA

Engolido mais um sapo (ou seria uma pedra? talvez uma rocha...), dei de costas ao boçal do chefe e segui emputecido. Não é meu chefe, na verdade, um mero coocupante de uma bosta de cargo de chefia, preconceituoso, antissemita, homofóbico, racista, filho da puta. Quinta vez no mesmo mês. Já estava com ele por aqui. Fecho a porta do micro-ondas com sua cabeça prensada no batente. Quem dera... Contrarregras da burocracia. Um olho aberto e outro fechado na vizinhança febril. O mundo dos infernos corporativos. Já não se pode falar, o vômito vem à boca. É preciso aguentar o gosto ácido e azedo corroer a língua; calado, quieto, cara de paisagem; um estar no virtual. ali presente. Virtual é muito melhor. Quando o sangue sobe aos olhos, cospe-se o sapo, manda-se à puta-que-o-pariu ou à merda.
A esposa, aflita com o casamento, liga preocupada com o horário do cabeleireiro: - Calma, meu amor, tudo se arranja! Vai, vai dar tudo certo! Os olhos cheios de impaciência buscam qualquer refúgio nos objetos da mesa de escritório: um grampeador velho, o porta-lápis, a proteção de tela do computador... Não sei como esses programadores fazem coisas incríveis assim, minha proteção de tela preferida é aquela do aquário. Simplesmente perfeita! Sim minha vida, acho que sim, você deve fazer relaxamento, tingimento, e outros mentos que forem necessários... Quero que você seja a madrinha mais bonita do casamento, tá bom? É preciso superotimismo, as coisas vão mudar... Ou não, não é? O esquema semiesférico deve completar o seu ciclo. Conversar, enfrentar, transgredir... Não! Isso é antieducativo, antirrentável, antitudo! Não amor, estava aqui falando sozinho... Pedicure, manicure, pelecure, massagencure, tudo que você quiser, princesa... Claro que sim! Não, não estou ironizando; cutícula? Lógico! É só uma brincadeira. É isso... Uma brincadeira.
Esconde-esconde, pega-pega... Ele quer brincar, então? Quem persegue, deve ser perseguido também, quem procura, deve zxsse esconder também, não é assim? As regras são feitas pelo próprio grupo de jogadores, todos devem segui-las. “Só quem brincou um dia de bambolê sabe ter jogo de cintura”, meu amigo costuma dizer. Liderar não é isso? Ter jogo de cintura, jeito para levar a situação para esse ou aquele lado; conduzir o companheiro por um ou outro caminho; propor um brincar de pular corda ou cabo de guerra, dependendo do conflito, da dificuldade, do enrosco, do encontro ou desencontro?; às vezes é preciso até mesmo um morto-vivo, passa-anel ou mãe da mula. Autoinstrução! O observar e aprender com o jogo: é jogando que se aprende! Vamos jogar! Abrir o peito e estar sensível, receptivo, pronto, presente; ativo e reativo; abrir os braços e acolher, ouvir, propor; rever, ampliar.
Malditos prazos! Contas, processos... Penteado permanente no cabelo, sempre provisório. Basta uma reles garoa para as mulheres irem ao desespero. Projetos por fazer... Detesto essas garoinhas besta, amor! Batata! Quero isso pra hoje! Você já terminou aquele projeto que eu pedi? Amor, dá pra você me levar na Dulce, vou fazer depilação, tudo bem? Preciso de um novo relógio; prefiro pulseira de aço, as de couro não duram nada, além disso, sujam, rasgam, se esfolam, e assim vai. Que desgraça a minha, aflito pelo tempo e não vivo sem um bendito relógio. O fato é que já passou da hora de um relógio novo. Há mulheres que se sentem nuas sem um par de brincos, ou um colar, no meu caso é um relógio. Precisa ser bonito também, gosto dos grandes. Amor que tal a gente combinar de cada um dar um relógio pro outro nesse aniversário de casamento... Mas tem que ser surpresa! Quero dizer... Qual o relógio é que vai ser a surpresa. Lógico querida, vou adorar! O homem é o escravo do tempo. Como diz o poeta: Passa, tempo/ Bem depressa/ Não atrasa/ Não demora/ Que já estou/ Muito cansado/ Já perdi/ Toda a alegria / De fazer/ Meu tic-tac/ Dia e noite/ Noite e dia.
Você é homossexual? O pervertido, filho-de-uma-mãe, para não dizer mais... NÃO! Vou dizer sim! Aquele FILHO DE QUENGA, perguntou com um meio sorriso no rosto, como quem está brincando. Brincando uma ova! Tem medo de falar o que pensa, isso sim! Eu é que sempre achei que você era bicha; continuei no jogo de faz-de-conta-que-estou-brincando. Sem essa de engolir sapos, mandou aqui, devolvo ali, sou bom no pingue-pongue. Ficou vermelho, desconversou, engrossou a voz, e bateu nas minhas costas. Vá-lá seu fanfarrão! Você é um gozador mesmo, hein? Sou? Pensei calado e feliz. E calado respondi: - E você minha fonte de inspiração, seu verme.
Acho que Yoga seria um bom remédio para o meu destempero. Não engulo esse jogo de desfaçatez. Há de ser Ashtanga Vinyasa Yoga, bastante respiração, força e torção. Tai-chi-chuan seria melhor? Controle da mente e do corpo; exercitar os músculos: bíceps da paciência, tríceps da tolerância, compreensão, escuta desinteressada; aprimorar certos movimentos corporais apropriados para o dia a dia: aceno de cabeça, para cima e para baixo; levantamento de positivo, movimento repetitivo e curto no ar, jogar bola de gude também é bom pra isso, exercita o polegar a se lançar para frente. Experimente, é só fechar a mão como se fosse dar um murro, mas o polegar deve entrar e ficar quase embaixo do dedo indicador (como que querendo sair sabe?), mas só deve ser lançado no momento certo, arrume uma bolinha de gude e treine. No começo é difícil, parece fácil, mas não é, logo você domina e lança a bolinha no longe. E que tal Pilates...
Que droga é o natal! Pior momento na vida de um funcionário infeliz. Explico: o senhor do rebanho está sempre rodeado de puxassacos sem vergonhas, pois é, e que continuamente querem agradar o ser supremo; assim, logo inventam um amigo secreto, e outras baboseiras do gênero. Amor, já pensou se a gente fosse passar o Réveillon em Olinda este ano? Claro meu amor! É tudo que mais quero! Não seria uma delícia, meu amor? Claro minha vida! Só que vou trabalhar no dia 31 também, esqueceu? Ah, meu deus! Não há suplício maior! Pudesse eu, daria uma passagem só de ida para os tempos da proto-história para o Mr. Pedestal. Tempos de não-linguagem verbal, do rosnar e estufar o peito. Pensando bem, não tão diferente dos nossos dias. Diferente apenas pela soma da ironia e sem-vergonhice muito comum nos nossos dias. Lá, o algoz era conhecido e declarado. Aqui, um eterno brincar de rouba bandeira; com um agravo, claro, roubasse sem que o outro saiba da brincadeira. Falácia! Ah, amor! Não seja tão cruel assim... Você não está exagerando? Pense bem... Lógico que estou exagerando, estou superestimando este filho-de-uma-égua. No fim das contas, o que seria dele nos tempos dos metais? Afinal de contas o virtual é muito mais poderoso do que a matéria, do que o palpável:
Universo Virtual
O imaterial,
materialização
nas redes sociais,
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Nossa, querido! Que versinhos lindos... Imagina, minha flor! Rabisquei essas bobagens só para passar o tempo, nem está acabado... JÁ TERMINOU O PROJETO??? PELO VISO VOCÊ TEM TEMPO DE SOBRA, NÃO É JOSIAS??? ATÉ POEMINHA ANDA POSTANDO NO FACEBOOK, NÃO É MESMO??? ESPERO QUE NÃO SEJA NO HORÁRIO DE TRABALHO!