- Vamos lá! Que letras são essas aqui? A... E...
Ele a olha, buscando uma ajuda em seus lábios, enquanto espera com os seus também entreabertos, como quem está pronto para pronunciar. E para.
A professora já havia feito este trajeto várias vezes com o grupo, não era possível que ele não soubesse a resposta. Com certeza não havia prestado atenção enquanto ela explicara o som daquelas letras. Não. Não era possível! Todos os outros já tinham aprendido. Só ele não conseguia reproduzir o som das vogais, mesmo olhando para as letras. Quantos exercícios já haviam feito, meu deus! Ainda paciente, resolveu tentar mais uma vez. Provavelmente, ele teria sucesso, caso ela falasse junto com ele. Tentou mais duas vezes.
- Olha, vamos falar junto, está bem?
- Tá beim!
- ES-tá BEM, repete.
- ES –tá beim.
- A
- A
- E
- E
- I
- I
E, assim, ela o ajudou a rever cada um dos sons, apontando o sinal gráfico equivalente no papel. Fez isso duas vezes. Agora, certamente, ele conseguiria fazê-lo sozinho.
- Agora é sua vez, você vai conseguir sozinho. Está pronto?
- Ponto.
- Não é “ponto”, é PRON-TO, repete!
- Ponto.
Com quase cinco anos, qualquer criança saberia aquela sequência. Havia mesmo algumas crianças que já começavam a formar algumas sílabas. No ano anterior, tiveram contato com as vogais e fizeram várias atividades, escrevendo cada uma. O pequeno aluno tinha especial facilidade com a letra E, que iniciava o seu nome, esta foi a que mais ficou marcada em sua memória. Ainda que não soubesse escrever o nome, sabia que começava com E. Neste novo ano já haviam feito as lições do livro, com o A, o E e o I. Todos deveriam saber cada uma delas com facilidade. Mas em seu caso, ela tinha a impressão de que nada havia sido feito. Ele não conseguia identificar as vogais já trabalhadas durante todo aquele tempo.
Apontando novamente cada um dos sinais, ela o guiava esperando o sucesso tão esperado. Depois do A, veio o E, e depois do E... o silêncio. Ele novamente a olhou, esperando os lábios dela denunciarem a letra seguinte. Mas a denúncia não veio. Impotente, seu semblante franziu. Ele mesmo sentia que não estava conseguindo dar aquilo que a professora tanto queria. Ele a decepcionava. E não queria isso.
- Vamos Elder, você consegue! Ela insistiu... Este é o A, este é o E, e este é o...?
- O... Ele repetiu com se fosse conseguir no embalo do estímulo recebido. Mas não conseguiu atinar aquele pauzinho com nenhum som do qual ele se lembrasse.
Só podia ser falta de interesse. Quantas vezes ele desviava sua atenção durante as atividades. Vivia buscando refúgio no colega ao lado: uma brincadeira aqui, um detalhe da sala ali, uma caneta no chão, o colega. Enfim, fugia no momento em que era encurralado e tinha que dar conta das vogais. Ele já sabia o som, era só questão de associar com o desenho. O A era de amor, o E de Elder (mas também de estrela), o I de igreja (que ele ia todo domingo de manhã coma mãe), o O de ovo (que ele adorava comer no pão), e o U de uva (mas em casa ele só via banana).
Era um bom garoto... simpático, risonho, carinhoso. Tinha um bom relacionamento com todos os coleguinhas, dividindo e partilhando os brinquedos, dançando e brincando nos momentos de descontração, ou no parque. Adorava atividades com pintura ou desenho para colorir. O problema era com a alfabetização. Aí ele empacava. Não tinha facilidade com as letras.
Enquanto a professora esperava a resposta, outros trinta alunos conversavam, riam, ou já brincavam pela sala. É um inferno, ela pensava. Não podia virar as costas para dar atenção para um, que os outros já começavam a aprontar. Sempre quis ser professora, mas não sabia o que a esperava. Ao contrário de algumas amigas que só fizeram pedagogia porque era o curso que podiam pagar, ela sabia desde pequena que seria professora. Desde jovem sonhava com seu grupo (pequeno) de pequenos aprendizes. Cada um em seu uniforme... Limpinhos, material arrumadinho em cima da carteira, com uma toalha de plástico forrando a mesa (como era no seu tempo de aluna). Todos fazendo a atividade proposta, formando sílabas, palavras, e logo lendo frases inteiras. Era isso que imaginava. Era essa sensação de realização pelo trabalho feito que ela tanto esperava. E isso só acontecia às vezes. Em outras, o sentimento de impotência a deixava desnorteada. No mundo real, nem todos tinha sequer roupa, quem dirá uniforme, nem material escolar como pedido na lista, adequado e organizado, nem todos limpinhos ou que podem comer antes de ir para a escola. Por esses e outros motivos, às vezes de ordem biológica, psicológica, algum tipo de deficiência, mas a maioria de ordem familiar, ou falta dela, não aprendem da mesma maneira. O que fazer? Era isso que movia agora seus pensamentos quando, ao final da aula, olhava aquelas crianças correrem para suas casas. Sem consciência da tragédia em que estavam metidos.
No começo, toda paciência do mundo. Já agora, era preciso outra estratégia. Iria pegar pesado com eles, exigir atenção e mais acerto quando solicitado. “Alguns alunos são assim: só funcionam na base da pressão”, uma colega lhe disse. Além disso, era frustrante não ver nenhum resultado depois de tantas atividades feitas. Estava, então, decidida, o caminho seria o da imposição. Com certeza isso daria algum resultado. Além do mais, no caso do Elder, aquela situação a estava tirando do sério. Não havia dúvidas de que, caso ele tivesse um pouco, um pouquinho só de boa vontade, caso ele se esforçasse um pouquinho que fosse, ele conseguiria fazer o que ela estava pedindo. Não era muito. Uma atividade tão simples, tão fácil... Era só uma questão de mais interesse mesmo. Então, alterando o tom de sua voz, já denotando impaciência e determinação em conseguir um resultado satisfatório a qualquer custo, retomou a lição.
- Elder, eu já falei o som destas letras duas vezes junto com você. Não é possível que você não consiga falar cada uma delas sozinho. Você está prestando atenção na lição?
- Tou tofessora!
- PROfessora – ela insistiu. Então, vamos lá novamente. Agora eu quero que você repita certinho cada um, está bem?
- Tá beim!
- ES-tá BEM! Lembra, repete!
- ES-tá Beim.
- Vamos lá, presta atenção, hein!
Novamente o percurso com o dedo recomeça. Depois do A, ele olha e recolhe a expressão de aprovação da professora. Ela fica feliz quando ele acerta, ele também. Vem o E, e novamente ele é aprovado em sua tarefa. Isso é bom. Quando acerta, experimenta uma sensação gostosa de “saber”. Não gosta de errar na frente dos coleguinhas, que depois azucrinam com gozações. Então aquilo é uma sensação boa. Não vão rir dele depois. E senti que está agradando a professora. Mas começa a ficar preocupado, está chegando aquele pauzinho. Porque não bate o sinal, assim ele não correria o risco de estragar tudo. Sim, era isso, no final das contas, a professora estava sendo tão paciente e ele estava fazendo tudo errado. Bate sinal, bate sinal, bate sinal, ordenava em seu pensamento. Mas o tempo não foi seu amigo, e o sinal muito menos. Não pode evitar, portanto, de ver que o dedo da professora já apontava o pauzinho e seu olhar exigia que ele falasse.
Travou.
Outros alunos olhavam e pareciam querer uma atitude da professora. Ela via isso em seus olhos. Isso já era demais. Aquilo ela não admitiria. E sua autoridade na sala de aula. Ele havia de falar de qualquer forma. Pensou no que se passava na cabeça daqueles alunos enquanto observavam. Certamente ele está brincando com ela? O que ela vai fazer? Ele está fazendo ela de boba? Não falou porque não quis? Ela vai fazer ele falar?
- Fala, Elder! Exigiu em voz alta. Fala de uma vez! Insistiu subindo ainda mais o tom de voz: - Não é possível que você não lembre! Fala, fala... é I, I, I, I. Lembra? A... E... I... As letras iam saindo quase aos berros, querendo alcançar todos os Elders daquela sala, quem sabe daquela escola. Pegou no dedo do menino e colocou no papel, uma vez mais: - Olha este é o A, este é o E, e este (dando ainda mais ênfase) É O I, I, ouviu?
Neste momento percebeu que o menino chorava. Ele começou a chorar no momento em que ela rompera em gritos. Não conseguiu controlar o peso do fracasso e a humilhação na frente dos colegas, além do susto da mudança repentina da professora, ela agora lembrava-lhe sua mãe gritando que ele era burro, não sabia fazer as coisas direito... Só que ele não havia feito nada, só não conseguia falar... Não entendia porque estava sendo tão rude com ele. Com certeza não gostava mais dele.
Sentindo que havia perdido o autocontrole e percebendo que magoara o pobre garoto, abaixou-se e aproximou-se dele, pedindo que não chorasse.
- Me desculpe, Elder... Eu exagerei... Você não tem culpa.
Esperava que o menino se agarrasse ao seu erro, dissesse que ela havia gritado, que falaria com sua mãe, etc. Por isso se surpreendeu quando ele buscou o seu ombro e, entre soluços, balbuciou:
- Me ajuda, professora... eu preciso de ajuda.
Nossa amor que lindo,não tenho nem palavras....
ResponderExcluirParabéns, te amo.
Lú