Gritaria e correria; um pote que despenca; é meia noite; de repente pancadaria na porta, que abrissem de pronto. Assim é polícia no morro. Mãe, assustada, obedece; antes surda ou barraco abaixo. Arrancado do sono, olhos esbugalhados, moleque se borra: Onde tá o Marcola!! Disseram que tava aqui! Vão me dizer agora, ou a senhora vai pra delegacia!. A sessão de tortura só começava. Durou algum tempo. Apelaram para o pequeno; tremia. Mal sabia o quanto tais gritos ecoariam em sua alma: Estão encobrindo esse bandido???!!! Se não disser agora onde ele tá, vamos prender sua mãe, tá ouvindo???!!!” Agarrou o braço da mãe pra sair pela porta... Não estava acostumada àquela violência e teve que ir direto pro hospital: AVC.
Horror, desespero, raiva e medo embotados nos pequenos olhos... Olhos que agora, vinte anos depois, espreitava o último homem daquela noite; cujo fim traria descanso afinal, desde o fatídico dia de sua infância. Desistiu dos homens e da justiça. Desprezo. MERDA!
Vida? Que vida! O pai bêbado, filho da puta, nem menor carinho. Detestava escola; caderno, nada! capoeira, aí sim! A melhor escola é a vida! Oito anos e a rua: graxa pra sapatos, sorvetes, até dropes paquera nos trens... Expulso da estação, doces jogados pelos trilhos, e uns tapaços na orelha. Dinheiro? desgraça. A mãe? Só maldizia a vida, ele ali, fazia que dorme: infeliz. Logo cansou. Decisão: fazer dinheiro!
Espreitava: solidão e breu sem lua; sempre trazia algum da noite. Alegria: compensou a mãe pela cruz - pulseira, colar, relógio, celular... Orgulho: filho bom, de futuro. Só deus! As vizinhas, de inveja, lambiam a velha na dor de cotovelo. Da noite pras gandaias e rodas de capoeira. Final de semana. O projeto outro, primeiro, foi ganhando contorno. Matou aos quinze: desespero. O sangue não lhe avexou: remorso? Hã! Orgulho: rito de passagem; agora era bandido mesmo.
Tempo vai; corpo e força na capoeira; experiência e habilidade no crime. Pronto. Cada oficial uma fatia de vingança; medo, dor, desespero, raiva e... Faltava apenas... o pior deles, que arrastou a mãe, violentou com gritos e tirania; gavetas e roupas pelo chão do barraco, drogas? Não. Putaria mesmo. Pra sacanear pobre mesmo. O maior dos merdas; vai experimentar medo, insegurança e pavor no olhar de comparsas morrendo...
Era noite, safado, o milica deixava o clube de boliche: olhos que espreitavam. Quartas - chegar oito, sair dez. Sempre. Uma bola de boliche na case preta. Seguia pelas ruas do bairro da Penha, adiante a praça da igreja Nossa Senhora da Penha, ali o antigo cinema São Geraldo e a baixada do metrô. Longe, mas tava em forma. Quinze minutos, nem isso; chave na porta da frente. Tudo isso, Capoeira já sabia. Observou e planejou. Tudo. Ansiedade pelo fim da história. Respirou e seguiu. O desgraçado parece gente de bem. Mãos no bolso, capuz na cabeça, andar ligeiro: cena e gritaria da noite de infância: vingança. Era bom nisso. E esse valentão de merda? Reagiria? Um pobre diabo covarde, um bosta; Quantos lares arrombados? Quantos miseráveis humilhados? Correu; deu a volta na igreja; o menino caçava o homem afinal; golpes de capoeira, miserável no chão; cano do berro na boca, joelhos prostrados: desespero e medo. Perdão? Só se morto. Tiros? Nada. Bola de boliche.
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