Tinha que sair dali... uma urgência, mesmo questão de morte. De arriscar é que se prova; esfregou os olhos e apertou, quase enxergando adiante; fazia? não fazia? Fez! Num salto, do vagão ao chão, rolando pela margem de terra forrada de pedras. Doeu? Quase morte. Praguejou, sacudiu, esticou, deixou-se largar deitado. O que fazia Aninha hora dessas? Talvez pensasse nele.
- Nossa cor se combina!
- Você é linda como a lua, sabia?
- Não mente não...
- É a mais pura verdade!
- sabia que adoro chocolate...
Ele riu.
Ela mal sabia do amanhã. Certas coisas são pra se calar.
O vazio lhe deu a mão e caminharam pelos trilhos, olhava cabisbaixo, chutava pedras, contava os dormentes - Sabe aquelas toras de madeira que recebem os trilhos? - Aos poucos voltou a si, peito aberto para o vento preguiçoso daquele final de tarde. Aquilo era bom! Dono de si afinal! Fazia muito não sentia aquela sensação; os pés puseram-se a correr; pulavam os dormentes aos tantos; quase voava; desatou largo na risada.
Do muro, com certeza o horizonte. Subiu e espiou. Carecia de um norte, do de comer, de lugar pra se achegar. Não atinou com o anoitecer. Pensar não tem mestre mesmo, é feito redemoinho que vai e volta, volteia e retoma, segue ziguezagueando por aqui e ali. O muro na sombra se esticando até os trilhos. Talvez chovesse? No barraco, deram falta, certo era a esse tempo; deram deveras? procurariam? dariam graças? uma boca a menos... mas um braço de menos... fazia falta... Ah fazia, e não? O vestido roto de algodão roçava sua pele quando Aninha tentou alcançar seus lábios. Coisa boa! Ôh meu pai se é! Arrepiou, suou de calor e frio; parou, com os lábios ali colados, uma doidera aquilo. Leu não-sei-onde que toda saudade é uma espécie de velhice. Até saudade boa? Até saudade boa! Todas elas, oras! Pois então que se envelheça! Vá lá!
Uma avenida mirrada sumia para além de até-onde-se-pode-ver-com-os-olhos. Não quis pular ainda; demorou-se no espiar o longe. Descendo, recostou na parede de cimento rústica do muro, se largando de cócoras; pegou dum parafuso enferrujado que repousava no meio do matinho ali ao pé; bons minutos... titubeou na ideias certas; pensou na casa, no padrasto de olhos vermelhos, de garrafa em mãos, um filho da puta mesmo... É certa decisão? Exagero? Não vale? Aguentar surras, xingamentos, e..., e..., e...? Não! Não! Não! A mãe... uma lastima, mazela, nem se mexia horas dessas; sempre assim; jogada na cama de solteiro ao pé da televisão, logo ali de costas pra cômoda de imbuía, o espaço pouco, nem de virar de lado se passava direitinho; a outra cama, dos meninos, dava as costas pro armário da cozinha; era ali mesmo que o coro comia; quantas vezes amaldiçoou aquele infeliz; queria dinheiro o desgraçado; humilhação doída quando os amigos o viam ali na esquina da treze, perto do bar do manéu, morria de raiva daquela vida; a vontade era de matar o sem-jeito... Dava mais não! Tinha jeito não! Fosse homem feito e o puto sangrava na faca. Não pôde esperar; corpo reclama; corpo chora; corpo geme; corpo parte.
Agora é fazer dar jeito! Pulou o muro e seguiu avenida afora.
Muito bom mesmo, viu, Jorge?
ResponderExcluirNão deixe de postar.
Grande abraço.
Lindo.Os textos estão se tornando a cada dia, mais encorpados... ...densos... ...engraçado como o trabalho carrefa um pouco de cada um de nós, não, meu amigo? Abraços em você e família.
ResponderExcluirValeu, Santana! Você tem um olhar treinado, sensível e sincero. Logo estará parindo seu primeiro filho, hein?!!! Estarei lá para dividir essa alegria com você. O Alê, aí em cima, é uma grande artista aqui de Guarulhos, no próximo livro ele pode pensar a ilustração com você...
ResponderExcluirAlê,
ResponderExcluirmeu amigo! Você é sempre muito encorajador. Como bom escritor que é também, consegue perceber as particularidades do texto, e as mudanças ao longo do caminho.
Estou em falta com você... ainda não fiz uma visita... Logo estarei aí, ok?
Como é que pode menino pequeno virar-se na rua, Jorge? Medão danado dessa sua história sem fim...
ResponderExcluirBeijo procê, rapaz muito dos capaz, uai!
Maristela
Oi, Maristela!
ResponderExcluirCurioso, “História sem Fim” era um título que pensei para o texto. Não sei aí no interior, mas por aqui essa realidade é tão comum, não é mesmo? O menino tem que virar homem da noite para o dia.
Acho que é isso mesmo, dá medo de pensar nessas crianças e adolescentes jogados no mundo... Por essas e outras que o professor, na escola pública, deve ser aquele a acolher...
Beijo,
Jorge